Duvidas sobre a nova plataforma de Democracia Liquida do Democracy.Earth

Fizemos uma entrevista com o Santiago Siri, criador da nova plataforma de Democracia Liquida do Democracy.Earth: http://br.okfn.org/2016/10/12/em-entrevista-okbr-santiago-siri-fala-sobre-a-nova-plataforma-de-democracia-liquida/#comments

Surgiram algumas duvidas de um membro da comunidade que seria interessante discutir neste espaço. O @thiagorondon estava afim de discutir algumas dessas questões e vou convidar também o Santiago para entrar.

@herrmann :
"Também sou um entusiasta tanto de inovações tecnológicas para
implementar a democracia direta e participativa, quanto do blockchain,
criptomoedas e procolos descentralizados de tomada de decisão. Por isso,
a ideia de um projeto como esse é algo que muito me interessa.

Entretanto, algumas perguntas relevantes para quem acompanha o assunto não foram feitas.

Primeiramente, ao contrário do que alguns possam pensar, o blockchain
não é um protocolo que dá anonimidade aos seus utilizadores. Ele opera
por meio de identificadores que funcionam como pseudônimos. Esses, por
sua vez, quando combinados com outras fontes de informação, podem
revelar a identidade da pessoa por trás do pseudônimo. Em eleições, é
essencial garantir que o eleitor não seja identificado, para impedir que
ele seja coagido por alguém a votar a favor de determinado candidato
(ou de determinada proposição). Existem grupos que pesquisam protocolos
sobre como fazer votações anônimas e seguras usando algoritmos
criptográficos, entretanto, esse não é o propósito do blockchain do
bitcon. Se o protocolo que está sendo utilizado nesse projeto é
realmente o blockchain do bitcoin, como afirmado na matéria, como é
possível garantir a não identificação do eleitor?

Em segundo lugar, existem várias outras tecnologias semelhantes que
usam blockchain, tais como o Ethereum, que possibilita, por exemplo o
uso de contratos inteligentes (smart contracts). O blockchain do bitcoin
é realmente focado em seu uso como criptomoeda. Porque o bitcoin foi
escolhido para votações digitais, em vez de outros blockchains, e como
se deu essa adaptação a um propósito tão diferente? Quem paga a
remuneração da transação nesse uso especifico para plebiscitos?"

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O site democracy.earth aponta um link para um artigo que fala do Ethereum. Por outro lado, o código no Github da plataforma sovereign deles parece usar o BlockStack, que, por sua vez, aparentemente hoje usa o blockchain do Bitcoin (segundo essse paper) para criar uma infraestrutura de chaves públicas (PKI) descentralizada. O paper afirma que o BlockStack usava o blockchain do Namecoin e que, após encontrarem problemas, migraram para o do Bitcoin. Isto é, não usam Ethereum.

Olá @herrmann, ótimas colocações e concordo! E boa lição-de-casa: pelo visto tentaram usar Ethereum e julgaram ser “muita casca para pouco ovo” :wink:
Chuto que os códigos-fonte de blockchain-Bitcoin, mais antigos e elegantes, seriam supostamente mais confiáveis para o programador… Paralelamente o Ethereum passou por uma crise de credibilidade recente (cisão que resultou no Ethereum Classic), o que teria servido como mais uma justificativa para abandonar a “muita casca” e ficar com o essencial.


Outro ponto: a demanda real por encriptação

Democracia se faz, se aprende e se conquista, sobretudo em casa…

Pensando só em eleição online, imagino logo outras aplicações: votações online em associações, cooperativas e condomínios… Pessoalmente acho elas muito mais importantes. É delas é que emergiria uma nova cultura democrática, não vejo outra “solução cultural”, muito menos de cima para baixo… E justamente neste contexto (nas associações, condomínios e cia.) é fundamental conhecer os participantes da votação, ou seja, quem a ata diz que esteve presente votando, precisa estar gravado no blockchain, uma ótima forma de certificação, e muito mais barata do que carimbo no cartório (!).

Ainda assim, quanto ao uso de esquemas de votação online, no geral, creio que o brasileiro (inclusive nós na OKBr!) precisa antes exercitar muito a prática da decisão através do voto, assembleias e plebiscitos online deveriam ser frequentes, não precisamos teme-los se o Estatuto/Convenção é consistente… Em 90% dos casos pode e deve ser voto aberto, transparente, sem qualquer criptografia.

Resumindo essa meditação sobre votações, acredito que:

  • são conquistas culturalmente mais importantes o voto aberto e o voto aberto online, do que o voto secreto.

  • é mais importante conhecermos os modelos de Estatuto (ou no caso de condomínios as suas Convenções) para termos capacidade de instruir o cidadão…
    sobre como alterar para conquistar práticas eficientes (ex. de voto online) direitos relevantes (ex. de permitir que qualquer um convoque assembleia mas não permitir que qualquer um convoque alteração do Estatuto).

PS: as votações em assembleias de um grupo não são muito diferentes das votações parlamentares, no Radar Parlamentar percebemos o estrago que já fez do voto secreto — ou seja perdemos a chance de ver no Radar tudo o que foi secreto, e a base do Radar tem tb essa listagem.

Ni!

Há boas razões para usar a cadeia histórica do Bitcoin ao invés de outras redes como o Ethereal, a principal delas sendo o risco menor de perda ou manipulação pelo tamanho e popularidade da rede, a auditoria do software pela sua relevância econômica, e seus objetivos principais independentes da finalidade secundária proposta, favorecendo operadores neutros.

Apesar disso, na minha avaliação processos baseados em blockchain são antagônicos à democracia, pois sua dinâmica é acumulativa e assintoticamente promove uma oligarquia ao controle, quando não um monopólio.

O mais importante é que nada disso é necessário para implementar sistemas digitais seguros e confiáveis de votação. Como 90% das aplicações de blockchain, é mais hype na direção errada do que qualquer outra coisa.

Esse problema de independência de contagem já foi resolvido há décadas de formas muito mais simples, com criptografia de chave pública - a tal assinatura digital - e servidores espelho.

Absss

Pelo que está descrito no artigo, o motivo principal para os desenvolvedores do BlockStack terem migrado para o blockchain do Bitcoin foi a segurança advinda do volume de usuários e transações nessa rede, que é substancialmente maior. Isso faz com que os custos para que um atacante que tente modificar o passado do blockchain, por exemplo, sejam tão exorbitantes que o ataque fique inviável. Acredito que pouco tenha a ver com a elegância ou idade do código em si do software do Bitcoin - embora a idade da rede seja um fator que influencia indiretamente no o seu tamanho, que, como argumentei, eles afirmam ser o fator principal.

Exato!

[quote=“ppkrauss, post:3, topic:3955”] Paralelamente o Ethereum passou por uma crise de credibilidade recente (cisão que resultou no Ethereum Classic), o que teria servido como mais uma justificativa para abandonar a “muita casca” e ficar com o essencial.
[/quote]

Você se refere ao incidente do DAO Hack, que causou uma disputa que provocou a cisão no blockchain do Ethereum. A grande dificuldade em usar os contratos inteligentes como eles existem hoje é que é muito difícil alterar o seu código, mesmo para fazer correções triviais, por conta da característica de imutabilidade dos blockchains. Como todo software, os contratos inteligentes também são escritos por pessoas e estão sujeitos a ter bugs. Quando esses bugs são difíceis ou impossíveis de se corrigir, é inevitável que eventualmente alguém vai encontrá-los e explorá-los, podendo ter graves consequências como foi no caso do Ethereum.

Nos ambientes que eu e você vivemos, possivelmente sim. Mas não se pode generalizar. O motivo de existir o voto secreto é para coibir a coerção do eleitor mediante ameaças. Em populações em situação vulnerável, a ameaça é a regra, e não a exceção. Até hoje existem ditaduras no mundo onde há eleições e o dono do poder é sempre reeleito com 99,99% dos votos a cada eleição.

Não entendi bem essa colocação. O que quer dizer com dinâmica acumulativa? Poderia elaborar os motivos que na sua opinião levariam à concentração de poderes?

É verdade. Em muitos casos falta usar o senso crítico para avaliar se as características inerentes ao blockchain contribuem para a resolução do problema, ou se estão sendo feitos contorcionismos para adaptar uma aplicação para usar o blockchain por puro modismo, sendo que ela poderia ser implementada de forma mais simples e direta.

Hi everyone, is it okay if write in english? My portuñol can be terrible.

Blockchain and anonymity: yes, bitcoin transactions can be tracked and it has been used to detect criminal activity (even corrupt FBI officials in the Silk Road case). But blockchains don’t stop at Bitcoin. An innovation that has been critical in the field of cryptography recently are Zero Knowledge proofs that enable systems to verify if certain inputs are correct without having the system having access in any way to the data being analyzed. This was the basis for a new cryptocurrency that has plenty of support in Silicon Valley right now, Zero Cash. Its implementation is a variation on the bitcoin source code implementing such proofs, hence not even the quantity being transacted is visible in the network.

Blockchains matter because they prevent the main way of subverting a democracy: identity falsification (or sybil attacks to use crypto jargon). The only way you can prevent a sybil attack in a network is through the use of Proof of Work… its the main reason that algorithm wat created for (originally thinking about the problem of spam in emails) by having a system to be able to trade between computing power and time. PoW is the core of every (successful) blockchain since it lets the whole network sync in an async context (the internet). So… going back to identity: the approach of Blockstack piggybacking on the bitcoin blockchain (and hence using PoW) is great, although they do face big scaling issues as we speak and for that they’re working on a virtualchain of their own. Their paper is really good.

So… the ideal system (one that cant be made without blockchains) is one that gives the voter these guarantees:

  • You know that your vote was counted
  • You know that your vote was counted with the right value in it.
  • You can destroy/protect your vote from third parties that threaten you to display it (clientelism)

But beyond voting: Blockchains also battle the other great way of subverting an election, and thats GOSSIP. False information. Blockchains store institutional facts, promises, by using cryptographic proof. Unlike traditional institutions that rely on secrecy and store soft-promises backed by contracts that are never public and mostly, charismatic puppets usually known as politicians.

So what we need to look at is at governance as a whole, and not just voting per se (that’s only a UX issue… the ‘likes’ or ‘retweets’ of such new context).

Hope anything of this is clarifying or at least opens up new interesting questions!

abraço

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Sí, podemos cambiar para Inglés o para Español, por supuesto. :slight_smile:

Thanks, @santisiri, for the explanations and the Zero Cash reference. It is very interesting, indeed. And yes, Proof of Work is really good for the system as it raises the cost of committing fraud so much so as for it to become infeasible, thus raising the trust people have in the blockchain.

Actually, researchers have for many years thought of cryptographic voting systems that meet these requirements, much before Bitcoin or the blockchain. Some of those may even be designed to allow for internet voting. The question is whether if using a blockchain provides the benefit of using a more mature code base (which is good for the “don’t roll your own crypto” rule) and added security because the size of the network makes it harder to defraud. Nevertheless, it does not mean that end-to-end verifiable internet voting systems shouldn’t continue to be pursued outside of the blockchain idea as well.

I am not quite sure about that. People can still sign a lie and put it into the blockchain. It might make them more accountable for their lies, though. That is, if society cares about that accountability at all. Frankly, I’d say this is much more of a social problem than a technological one. A purely technological solution is not going to fix it.

¡Gracias y abrazos!

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Opa, vamos lá, vou tentar esboçar a ideia…

Refiro-me a dois fatos combinados:

Primeiro que, pelo desenho da rede bitcoin, qualquer grupo que controle mais de 50% do poder de cálculo passa a ser um gatekeeper, ditando quais transações são ou não são aceitas e, no limite, podendo até perdurar transações inconsistentes.

O segundo fato é que poder de cálculo requer energia elétrica e energia elétrica requer controle sobre bens materiais - meios de produção. Portanto o controle do bitcoin é ditado por uma lógica capitalista, que induz a uma concentração de poder por todos os mecanismos de acumulação de capital conhecidos na economia: valor de marca, efeito de rede, economia de escala etc.

Hoje as consequências disso são patentes:

O bitcoin é atualmente controlado por nem mesmo meia dúzia de grandes fazendas de cálculo, que representam juntas muito mais que 50% do poder de mineração. A rede só é distribuída no sentido de que pequenos players podem entrar e fazer pequenas contribuições, mas a lógica de acumulação na base do sistema essencialmente garante que quem manda na rede serão sempre os poucos e grandes.

Ou seja, o bitcoin no limite - e já hoje - é um sistema bancário como qualquer outro, só que ao invés de regulado por um banco central ele é regulado por um oligopólio de grandes mineiradores que, com justiça, podemos chamar de bancos.

Para o uso financeiro do bitcoin isso não é tão grave, pois há um contra-incentivo a esses bancos manipularem as transações financeiras, afinal o produto deles é a confiabilidade da rede para negócios. Pessoalmente sou cético mesmo aí, pois não é inétido bancos manipularem finanças junto a bancos centrais de governos, mas ao menos dá pra entender quem especula aí.

De toda forma, a essa altura já caiu por terra qualquer fantasia de chamar bitcoin de moeda democrática ou anárquica. A escolha é entre as moedas tradicionais sob controle misto governamental e privado - que numa análise otimista pode ter alguma semelhaça de algo democrático - e bitcoins sob controle privado. Fica ao gosto do freguês, isso se governos não se meterm lá… cenas dos próximos capítulos.

Porém, assim, confiar qualquer outra coisa ao bitcoin é o equivalente de confiar seu registro ao sistema bancário. Pode funcionar muito bem justamente onde não é necessário, como pro resultado da rifa duma associação de bairro. Mas pra qualquer coisa suficientemente relevante em escala política… acho que não preciso argumentar que bancos não se comportam de forma neutra!

Espero que dê pra entender melhor meu ponto de vista!

Abs, =D

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Interessantes reflexões, Abdo.

Só para constar, tem gente experimentando substituir o modelo de consenso do blockchain baseado em Proof of Work por outros métodos de alcançar consenso em uma rede que não privilegiem os nós da rede que tenham mais recursos materiais. Um exemplo é o Practical Byzantine Fault Tolerance (PBFT), que é usando no Hyperledger.

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